Só pra Constar
Já se passaram 241 dias de 2006.
Já ou ainda?
Ainda.
Ainda temos 124 dias em 2006.
Ainda ou Somente?
Somente.
Somente a quem deve dizer essas coisas?
"Deu na veneta dele" veneta s. f., acesso de loucura; furor repentino; capricho; mania; telha; dar na -: vir à ideia.
Lembro que quando tinha meus 17 anos escrevi na ocasião de minha mudança de Caruaru para Recife (digo minha porque meus pais ficaram morando por lá ainda um tempo), algo cujo o mote era "Mudanças são muitas nessa vida", e falava sobre mudança de casa, de roupa, de hábitos e habitates, de sexo, de time, de credo, sei lá. E no final me perguntava se tinha esquecido de algo. Tudo se muda, ou será que somos nós? Esses seres inquietos, eternamente mutáveis. Fiz as contas nos dedos. Esta é a oitava casa em que moro. Se levarmos em conta que vou fazer 24 anos, então passei três anos pra cada moradia. Razoável. Meus pais até já tinham se acostumado. Eu já saí de casa algumas vezes, mas nunca por problemas. Sempre por motivos de estudo ou trabalho, duas coisas que gosto bastante. Só que dessa vez me mudei de vez. Saí para morar com minha companheira, e meu filho (a) que está por vir. Já vamos juntos seis anos, eu e ela, quase dez que nos conhecemos e agora aos poucos, devagarinho, estamos realizando um sonho antigo, o de termos nosso cantinho com nossa cara. Estamos há dois dias em "nossa casinha". E é uma eternidade de alegrias e descobertas. Já ganhamos nossa primeira plantinha, de Tia Ana, que é um ser que carrega consigo as flores, pra onde ela vai. Meio contrabandista de flores, como diria Samarone. Ela me contou que essa planta dá ums flores em forma de pequenas borboletas amarelas. Elas sempre voltam ao meu viver. As borboletas amarelas. Ontem meu pai falou algo sobre mudança e arrumação: "Tenha calma, faz 25 anos que eu e sua mãe arrumamos nossa casa". Estou calmo, pai. Bem mais do que antes. Nem rouo mais minhas unhas. E os cabelos brancos já despontam nessa minha carapinha negra. Aí me lembro de Arnaldo Antunes e como não poderia eu passar por aqui sem uma citação, por que citações são uma constante em meu caminhar, reproduzo. "Na nossa casa amor-perfeito é mato E o teto estrelado também tem luar A nossa casa até parece um ninho Vem um passarinho pra nos acordar Na nossa casa passa um rio no meio E o nosso leito pode ser o mar A nossa casa é onde a gente está A nossa casa é em todo lugar A nossa casa é de carne e osso Não precisa esforço para namorar A nossa casa não é sua nem minha Não tem campainha pra nos visitar A nossa casa tem varanda dentro Tem um pé de vento para respirar A nossa casa é onde a gente está A nossa casa é em todo lugar" E a canção acaba com uma risada bem gostosa de criança. |
Quisera eu escrever um poema Uma divagação, um desabafo, num bloquinho-de-nota-real, Com caneta bic, que é a que melhor escreve Mas me lembrei que nunca saio de casa armado. Alguns grandes amigos meus me ensinam o valor De poder colocar em um pedaço de celulose qualquer, Em um guardanapo semi-seco, na palma da mão As entranhadas linhas de meu estômago elástico. Observando o desmanchar, o manchar, o desmanchar, o manchar Da vida, em gotas, em formas, em gotas, em formas, Pretas talvez, azuis quase, vermelhas quem sabe, improbábeis verdeados. Que seguem formando letras, palavras, frase, parágrafos, orações inteiras Sem ave-marias ou aí meu deus me acuda. Apenas sentimentos que não se colhem, apenas se plantam. Me lembro então de algo que Mario Quintana escreveu. Ele não foi imortalizado, "foi, não foi, foi, não foi". Não chega a ser Um parágrafo, mas, sem dúvida é uma oração Que oxalá meu pai salva aqueles ali que acabaram de atravessar o curso do leito da margem do rio perene transformação: "Eles passarão. Eu passarinho". Sigo agora mas calmo, com menos aflição e querendo andar armado. Pra assassinar os "aís" dessa vida. Mato com a tinta da caneta bic, Em qualquer papel que me apareça razoavelmente desarmado . |