Coração-canção

Meu primo, Fabinho, virou pra mim e minha esposa no dia do nosso casamento e disse:

"Ter um filho é ter o seu coração batendo em outro canto, que você não sabe onde é".

Me pego, ao meio-dia e meio, indo almoçar em algum lugar incerto, rindo só, pela calçada, lembrando das caretas que Dora faz quando toma o remédio para o coração.

Coração que vai, amanhã, ser desobstruído de vez. Oxalá, meu Pai.

Ela trouxe novo sentido para os corações-adultos que também batem apertados, a espera de um balão microscópico, que possa desobstruir suas veias para que, enfim, os sentimentos que andam meio esquecidos possam voltar a fluir tranquilamente.

De manhã cedo, enquanto ela mama, por uma coincidência inexplicável do mundo (será?), um passarinho pousa na tela da varanda de nosso apartamento, solta alguns acordes, e vai embora.

É Deus, dando bom dia pra gente, penso eu.

Ele segue pra outras varandas, pois existem outras pessoas precisando receber um bom dia, também.

Todo noite eu canto pra minha filha. Ontem enquanto cantava "Se eu quiser falar com Deus", de Gilberto Gil, ela dormiu em meus braços. E eu, afrouxando os nós das gravatas e dos sapatos, chorei silenciosamente de felicidade, observando o pequeno sorriso de quem, dormindo, sonha estar exatamente onde está.

Com amor, à Carol e Dora, essas duas flores em minha vida.