12.7.10

Coração-jardineiro



Sexta-feira recebi um telefonema do meu pai. Ele dizia que queria levar Dora na pracinha* pra plantar uma muda de Nim, árvore indiana. Achei aquilo lindo, algo singelo e ao mesmo tempo cheio de emoção. O simples anda sempre perto dos bons sentimentos.

Dora plantou o Nim e de alguma forma reconectou as raízes da gratidão (só lembro de tia ana, quando ouço essa palavra, gratidão) com os nossos antepassados, pois - de alguma forma - já passaram pela pracinha* cinco gerações da nossa família.

Agora nesse exato instante vejo uma chuvinha bem fina lá fora. Tão fina que às vezes bate um vento e a chuva torna a subir, como se quisesse voltar pra nuvem de onde saiu. O Nim deve estar feliz da vida, bebendo sua aguinha e crescendo forte. Falei isso pra Dora, e os olhos dela brilharam de alegria.

Esse brilho me remeteu a outro olhar, o da minha avó, a "bijó lúcia" de Dora, Cauê, Malu, Nanda, Camila, Luana, Vicente e Pedrinho. Em uma fração de milésimos de segundo vi diante de mim um fio imenso, com Dora numa ponta plantando a árvore que vai crescer junto com ela, e na outra ponta minha avó, deitada numa cama, de onde se despede aos poucos, dessa vida, e das pessoas a quem sempre amou indistintamente.

Ela disse a mim e a Carol (quando ainda estava no hospital) que está feliz por estar lúcida e poder resgatar nesta vida muita coisa, aparar as arestas e de não precisar levar adiante consigo. Lembrei da avó de Saramago, que era menino quando ela aos 90 anos soltou um suspiro olhando as estrelas na soleira do quintal e disse: "O mundo é tão bonito que eu até tenho pena de morrer".

Vejo esse fio tênue e muito fino, que todos nós caminhamos, nos equilibrando com o maior cuidado para chegar lá na frente e olhar para trás, nem sempre enxergando o fim, ou no caso o início dele. Mas, podendo dar aquele sorriso largo, e ter a certeza e a alegria de lembrar que no meio do caminho foram plantadas muitas árvores.


* A pracinha é a Praça Eça de Queiroz, que ganhou esse nome em homenagem ao pai do meu pai, no caso o "bijô Ado", de Dora. Ele adorava Eça de Queiroz, e o prefeito Pelópidas da Silveira era seu amigo na época.

No mistério do sem-fim
equilibra-se o planeta.

E, no planeta, um jardim,
e, no jardim, um canteiro;
no canteiro uma violeta,
e, sobre ela, o dia inteiro,

entre o planeta e o sem-fim,
a asa de uma borboleta
(Cecília Meireles)

2 Comments:

Blogger Daniela Albuquerque said...

Thiago,

A vida vale a pena por esses pequenos e singelos gestos que na sua essência se torna grandioso. A vida vale a pena quando a compartilhamos com pessoas belas e sensíveis como você.
Parabéns pelo texto, muito lindo. Parabéns pelo pai que sabe transmitir os valores da forma mais simples e prazerosa passando a futuras gerações a importância do respeito pela vida.
Parabéns pela família e parabéns acima de tudo por saber reconhecer esses valores.

Tenho orgulho de ter vc como "primo"

beijos no coração e continue escrevendo para nos tirar um sorriso do rosto a cada momento que lemos o teu pensamento.

dani =)

10:40 AM  
Anonymous Anônimo said...

Lindo Ti!!! A vida é feita dos momentos simples, mas que tor nam-se grandiosos ao olhar de Deus!
Amo vcs!

Titi

9:09 AM  

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