3.4.09

Chuva


hoje chove muito, muito,
e parece que estão lavando o mundo.
meu vizinho do lado contempla a chuva
e pensa em escrever uma carta de amor/
uma carta à mulher que vive com ele
e cozinha para ele e lava a roupa para ele e faz amor com ele/
e parece sua sombra/

meu vizinho nunca diz palavras de amor à mulher/
entra em casa pela janela e não pela porta/
por uma porta se entra em muitos lugares/
no trabalho, no quartel, no cárcere,
em todos os edifícios do mundo/
mas não no mundo/

nem numa mulher/nem na alma/
quer dizer/nessa caixa ou nave ou chuva que chamamos assim/
como hoje/que chove muito/
e me custa escrever a palavra amor/
porque o amor é uma coisa e a palavra amor é outra coisa/
e somente a alma sabe onde os dois se encontram/
e quando/e como/

mas o que pode a alma explicar?/
por isso meu vizinho tem tormentas na boca/
palavras que naufragam/
palavras que não sabem que há sol porque nascem e morrem na mesma noite em que amou/
e deixam cartas no pensamento que ele nunca escreverá/
como o silêncio que há entre duas rosas/
ou como eu/que escrevo palavras para voltar
ao meu vizinho que contempla a chuva/
à chuva/

ao meu coração desterrado/

(Juan Guelman)