30.10.06

Carta virtual endereçada à Dora

Querida Dora,

descobri a pouco tempo que seu nome significa presente em grego. Como a língua portuguesa é uma beleza (mesmo com a rima persistindo), então o "em" faz muita diferença do "de". Havia escolhido com sua mãe esse nome antes, mas o motivo foi musical mesmo. Acabamos ganhando esse presente maravilhoso, através de sua chegada, devagarinho, que é preciso redescobrir a importância da delicadeza em nossas vidas.

Fiquei muito feliz de lhe ver - no ultrasom - lambendo seu joelho. Ele deve ser saboroso, penso. Sempre é gostoso descobrir as coisas da vida. Descobrir-se então, não tem nem medida.

Já havia eu plantado umas árvores por aí, e venho escrevendo alguns livros. Espero que você possa ler eles às protetoras sombras das mesmas.

Eu prometo que irei lhe levar, junto com sua mãe, para conhecer o mundo. Não falo do Cristo Redentor, nem da Torre Eiffel. Falo desse mundo enorme, que está no nosso quintal. Que passa diariamente na frente de nossos olhos, desatentos, sempre tentando enxergar o que não se pode ver.

Dora, minha filha, sei que os tempos são outros. Sei que eu e sua mãe fizemos parte de outra geração, que brincava de queimado, barra-bandeira, pipa, peão, bolinha-de-gude, carrinho de rolimã, bonecas moranguinho, pega-pega, bicicleta, esconde-esconde, casinha de boneca, pique-nique. Viviamos o dia inteirinho no meio da rua, e não eramos chamados de "meninos de rua".

Tinhamos vinis coloridos (o que é vinil? Vinil, minha filha era um disquinho que tocava música ou estorinha. É o avô do mp3). Tomavamos guaraná fratelli e comíamos goiabada com bolacha pilar, sorvete kibon, pão francês com mortadela e não existia problema de obesidade ou taxas glicêmicas alteradas.

Vejo as crianças dessa sua época - a da velocidade da luz - e fico peocupado. Os computadores, a internet, os jogos eletrônicos, as tvs e dvds, são ferramentas importantes, mas acabam involuntariamente mantendo vocês presos, dentro de casa.

Sabemos das dificuldades que existem para exercitamos nosso direito de ir e vir. Nossa liberdade. Defenderei o seu direito, assim com sempre fiz com todos que amo. Levarei você para passear nos (poucos) parques que nossa cidade tem.

Farei com que cada pedaço do Recife seja uma descoberta deliciosa para seus pequenos, porém gulosos olhos. A gula nem sempre é um pecado, quando se quer apreender a vida.

O que é pecado? É uma invenção das pessoas grandes para poder fazer escondido as coisas que mais gostam.

Por fim, Dora, espero que você possa conhecer as pequenas belezas da vida, essas que não canso de dizer, são as mais importantes, as mais urgentes, as que nos fazem sermos humanos. Desejo que sempre um sorriso lhe comova, que todo abraço lhe proteja, e que as descobertas sejam para você pequenos presentes que a vida venha lhe entregar, diariamente.

19.10.06

O blog nosso de cada dia nos dai hoje

Sei que tenho sido omisso nos últimos tempos, e até um pouco descuidado com certas coisas dessa vida enorme. Sei que tenho encontrado pouco alguns pessoas especiais em minha vida. A começar pela minha família. Não que eu esteja sofrendo, ou preocupado.

Não se trata disso. Apenas gostaria de encontrá-los mais. Os amigos, então, é um luxo quando temos a oportunidade de nos encontrarmos para poder compartilhar as pequenas coisas da vida - essas singelezas, as mais urgentes.

Até esse blog, anda meio esquecido, relegado a segundo plano, sem atualizações. Sei que o mundo está se acabando ai fora. É violência, corrupção e eleições. Mas não quero achar que a vida seja apenas isso.

Quero saber das pequenas belezas. Por exemplo, sentir meu filho(a) chutar a barriga de minha morena. E poder contar essa emoção para vocês. Poderia eu escrever um texto inteiro para explicar a sensação. Mais isso, meus caros seis leitores, é algo que não se explica. Somente que já passou sabeo que digo.

É cada bicudo - que se depender de chutão - essa figurinha vai bater um bolão, penso eu. Mesmo pedindo perdão a rima, eu não consigo para de rimar, não. Pego o violão e canto essa canção que sai direto do meu coração.

Aloprações a parte. Acho que aos poucos vou voltando a escrever por aqui. Passei um fase de muita correria e pouco tempo pra me dedicar ao meu esporte preferido: a escrita. Porém, diletos seis leitores, descobrir (graças a André Abujamra) que o tempo não nos pertence.

Como diria Abujamra, em seu disco de 2002, intitulado (lá vou eu com citações, mas fazer o que?):

"O tempo fica parado. É nós que 'avoa' nele. O tempo fica parado. A 'peda' fica, a água vai".

Fico por aqui, então. Querendo ser pedra, mas com a água passando ao lado. Devagar. Bem devagar...

11.10.06

Sete décadas de luta

Hoje é aniversário de Tom Zé. Esse baiano de Irará está completando 70 aninhos.
E deu uma declaração dizendo que "sofria de juventude". Não vou ficar aqui enumerando as qualidade desse grande artista que o nosso país ainda não deu o merecido reconhecimento. Nem vou ficar incesando o Tom Zé, pois a mídia o redescobriu depois de um ostracismo total, e já faz esse serviço.

Ele é um cara que nunca deixou de acreditar em sua arte e que disse certa vez: "Comecei a fazer música porque quando era pequeno ouvi um som de uma fonte de água lá em Irará, onde nasci e decidi imitar esse som. Até hoje não consegui, então continuo buscando. Só vou parar de tocar quando atingir esse objetivo".

Fica aqui minha homenagem a essa figura ímpar, um compositor folclórico no termo amplo da palavra.

COMPLEXO DE ÉPICO

Todo compositor brasileiro é um complexado.
Por que então esta mania danada,
esta preocupação de falar tão sério,
de parecer tão sério
de ser tão sério
de sorrir tão sério
de se chorar tão sério
de brincar tão sério
de amar tão sério?

Ai, meu Deus do céu,
vai ser sério assim no inferno!

Por que então esta metáfora-coringa
chamada "válida",
que não lhe sai da boca,
como se algum pesadelo
estivesse ameaçando os nossos compassos
com cadeiras de roda, roda, roda?

E por que então essa vontade
de parecer herói ou professor universitário
(aquela tal classe que ou passa a aprender com os alunos- quer dizer, com a rua -
-ou não vai sobreviver)?

Porque a cobra
já começou a comer a si mesma pela cauda,
sendo ao mesmo tempo a fome e a comida
Eu invento a resignação
Você inventa o pecado
E eu fico no inferno

Valei-me deus

3.10.06

Uma pequena pausa

Há alguns dias que não escrevo aqui, (e nem em outros lugares).

Permanecerei em silêncio por mais algum tempo, indeterminado é verdade.

Mas, por hora (ou dias) não sinto a necessidade de escrever sobre nada.

Ainda mais com esses assuntos chatos que aí estão, criando cascas grossas na humanidade.

Por enquanto fico no meu canto, observando tudo, caladinho.

Apenas uma pequena pausa.

Para retornar eloquente, e mais leve.