17.2.09

Foi lindo.

O Carnaval foi Introduzido entre nós pelos portugueses no século 17, com o nome de entrudo, festejo remanescente das festas da Grécia antiga, das bacanais romanas, das danças medievais, todas elas depois aglutinadas e transformadas nos bailes de máscaras da Renascença.

Não era uma festa, mas um ritual. A data móvel de sua celebração é herança do momento histórico em que se decupava o tempo em períodos de 40 dias. A Quaresma, período que vai da Epifânia (Dia de Reis) à quarta-feira de Cinzas, servia para ligar o profano ao sagrado.

Epifânia é uma palavra linda, diria Caetano Veloso.

Com a cristianização do calendário, as festas pagãs foram rebatizadas. Fevereiro era o tempo de "Carne levare levamen", quando eram degustados pela última vez os pratos gordurosos, antes da entrada em quarentena, a "quadragésima", palavra que evoluiu para Quaresma. Quarenta dias de comidas "magras" até a chegada da Páscoa.

Dito tudo isso, posso afirmar que no último sábado (14) participamos de um verdadeiro ritual. Foi lá no Poço da Panela, bem na frente de Seu Vital, no já histórico e estriônico bloco Os Barba, e mais uma tuia de outros (Boi do poço, maracatu quebra baque, tribo de caboclinhos, etc).

Foi lindo, diria Caetano Veloso.

Estavamos eu, Carol, Dora, meu pai, meu irmão e muitos amigos queridos. Tio Davi, Tia Ana, Mila, Stella, Edna, Poeta, Geraldo, Edvaldo, Fátima, Boy, Naná, Samarone, Bebeto, Silvana, Rodrigo, gente de todo tipo e toda qualidade. Maguinho, Leo Veras, Conchita, João Valadares, Victor Ramos, Aldânio, Tio Márcio, Sônia, Dalva e Bito com seus filhos. Foi emocionante, um encontro de almas que se conectam de alguma forma.

Foi lindo, diria Caetano Veloso.

O novo rei, Iramaraí, semi-infartado, foi trazido em uma rede, e sua rainha em outra rede. Uma verdadeira família real Severina. O rei do ano passado chegou numa charrete puxada por um jumento. Coisas que somente o poço da panela pode propiciar. A coroação foi o ponto alto, Dora não parava de pular em minha cocunda. Havia uma orquestra de frevo endiabrada.

Acho que orquesta de frevo endiabrada deve ser pleonasmo.

Foi lindo, diria Caetano Veloso. Ele mesmo que vai abrir o nosso Carnaval no próximo Sábado.

Caetano não estava n`Os Barba.

É uma pena que ele não entenda nada sobre Carnaval.

12.2.09

A Escada

Por uma dessas travessuras do cotidiano, deixei minha filha na escolinha dela e na volta peguei outro caminho, diferente do que faço todos os dias. Acabei passando bem na frente da minha primeira escola. Verdade que foi rápido, de dentro do carro, mas por sorte (?) a rua estava engarrafada, coisa rara em Recife (?).

Fiquei parado por três minutos, tempo suficiente para voltar 20 anos no tempo e relembrar as brincadeiras, as aulas de arte, os banhos de mangueira. Na minha lembrança a escola era enorme. No trajeto do portão até a sala de aula existia uma escada, que dava para a sala de artes. Eu andava muito, era distante esse trajeto na minha infância; essa coisa que tiram da gente ou a gente perde aos poucos, se não tomarmos cuidado.

Lá estudei do maternalzinho a alfabetização. Umas das épocas mais importantes da minha vida, quando aprendi a ler e escrever; essa coisa que levo comigo para sempre. Que ninguém conseguirá tirar de mim.

Olhei a escada, meu deus!, como ela fica perto do porão. Será que o trajeto encolheu? Ou foram as minhas lembranças que cresceram junto comigo? Desconfio que a percepção que temos das coisas quando somos criança perdem o sentido-físico e o espaço-físico para outras coisas, que descobrimos no futuro são menos importantes, mas nós não percebemos, teimando em colocá-las em primeiro plano.

Bateu aquela saudade de ser criança no sentido "dicionárico" da palavra. De ficar sentado no chão de areia, durante o recreio, construindo castelos e criando estórias fantástica. Saudade das atividades na sala de artes. Música, pintura, argila, uma catárse sem fim. Um verdadeiro mergulho ao contrário, quanto mais mergulhava naquele mundo, naqueles momentos, mas próximo da superfície me sentia. Um lugar onde se consegue subir à tona e respirar.

Feliz daqueles que entre o portão da escola e a sala de aula, tiveram a sorte de encontrar uma escada bem no meio do caminho.

9.2.09

Top 20


Olá caros seis leitores, estou um pouco apressado hoje, meio sem tempo e sem assunto mesmo.

Vou então fazer um dos meus esportes favoritos: listas de coisas, obras de artes, pessoas, etc.

Coloco aqui um Top 20 de filmes antigos (todos da década de oitenta para trás) que - acho - você não pode deixar de assistir. Sei que você não pediu, mas quando for na locadora, fiquei à vontade de passar antes aqui e dar uma olhadinha, ou imprimir mesmo e levar a lista (em uma folha apenas, se for papel reciclado melhor ainda, coloca a fonte pequena rapaz!, as árvores agradecem...).

Let's go!

1. Um dia de cão (Dog day afternoon, 1975)

2. O show deve continuar (All that jazz, 1979)

3. Rio vermelho (Red river, 1948)

4. Perseguidor implacável (Dirty Harry, 1971)

5. O ocaso de uma lenda (This is Spinal Tap, 1984)

6. O barco – Inferno no mar (Das boot, 1981)

7. O poderoso chefão (The godfather, 1972)

8. Todos os homens do presidente (All the president's men, 1976)

9. O enigma do outro mundo (The thing, 1982)

10. O iluminado (The shining, 1980)

11. Os pássaros (The birds, 1963)

12. A força do destino (An officer and a gentleman, 1982)

13. Noivo neurótico, noiva nervosa (Annie Hall, 1977)

14. Tootsie (Tootsie, 1982)

15. Os irmãos Cara-de-Pau (The Blues Brothers, 1980)

16. Entre dois amores (Out of Africa, 1985)

17. O planeta proibido (Forbidden planet, 1956)

18. Dr. Fantástico (Dr. Strangelove, 1964)

19. A felicidade não se compra (It's a wonderful life, 1946)

20. Spartacus (idem, 1960)

4.2.09

Travessia

Fui convidado pela produção do programa Curta Pernambuco do Canal 11 (TV Universitária) para gravar na tarde desta quarta uma entrevista sobre o meu documentário, o Travessia.

Para quem ainda não teve a chance de ver o vídeo, ele mostra o cotidiano de pai e filho que fazem parte de quatro gerações de barqueiros que atravessam gente do bairro da Torre para o da Jaqueira há mais de 80 anos. No meio um rio e algumas histórias...

Assim que souber a data de exibição da entrevista seguida do filme aviso a vocês, caros seis leitores. O Curta PE vai ao ar sempre no domingo com reprise na segunda, às 18h.

O curioso é que desde que gravei o documentário e exibi ele no Teatro do Parque dentro da programação do Festival de Vídeo de PE, ano passado, não havia mais entrado em contato com Seu Mita, o personagem principal do vídeo, e não estava mais pensando no Travessia, pois já ando pensando no próximo documentário.

Hoje, quando retomei o pensamento sobre a produção e edição do vídeo encontro Seu Mita em um cruzamento na sua bicicleta vermelha. Ele não me viu, mas eu olhei para ele bem demoradamente, saudoso até.

A vida é assim mesmo, cheia de cruzamentos inesperados.

2.2.09

Sombreiro

Hoje foi o primeiro dia de aula de Dorinha. O sentimento que nos acompanhou nessa manhã de segunda-feira foi estranho e único. A comitiva foi formada por mim, Carol e a mãe de Carol, que vem a ser a vovó do sítio, algo que para Dora é extremamente relevante.

No início estávamos preocupados, até um pouco angustiados, pais de primeira viagem devem passar por isso, acho. Com o passar do tempo Dora foi entrando na sala com a turminha, se dando bem com a professora e com todos os coleguinhas. Em vinte minutos estava cantando a música do sapo. Em uma hora e meia estava lanchando suco com bolacha maisena. Mais cinco minutos e já estava derramando o suco da amiguinha em sua própria blusa.

Esses sentimentos listados lá no começo ficaram para trás, foram se transformando aos poucos. No final do dia, estávamos felizes e aliviados. Penso que todas as pessoas deveriam ter a chance de experimentar essa sensação de levar o filho para seu primeiro dia de aula. Foi a primeira vez dela. E a nossa também.

Na escolinha dela têm um sombreiro conhecido como chorão. Enorme, frondoso, cravado bem no meio do pátio onde ficam os balanços, escorregos, carrosséis, casinhas, entre outros brinquedos. Um local lúdico, colorido e arejado. Dá vontade de ficar o dia todo embaixo dessa árvore.

Logo na chegada caiu uma chuva forte. Foi para lavar as folhas novas, penso. O chorão tem uma qualidade interessante: muito tempo depois da chuva, ele continua chovendo. Chorando silencioso. Chorando por todos aqueles que teimam em engolir o choro e enxugar os olhos; por sentirem que estão participando de algo raro, uma espécie de ritual em que seus filhos acabaram de passar. Entre tantos outros que virão.

Torço para que Dora encontre muitos sombreiros como este em sua vida.